Béjart: 1º de janeiro de 1927 22 de novembro de 2007
Izabel Costa
“Para mim, meu primeiro balé foi Symphonie pour um
Homme Seul, em 1955. Dancei e coreografei sob a música formidável,
impressionante, violenta, de Pierre Henry.”
Nasceu Maurice Berger, filho do filósofo Gaston
Berger, do qual foi muito próximo, estando sempre rodeado de
intelectuais e artistas. Seu nome artístico é uma homenagem
á Molière, pois Béjart era o nome da mulher do
famoso dramaturgo. Fascinado por um recital de Serge Lifar, um dos maiores
bailarinos do século 20, decidiu por consagrar-se inteiramente
à Dança, desde jovem, muito jovem. Fez-se bailarino e
coreógrafo simultaneamente, e várias de suas obras coreográficas
foram dançadas primeiro por ele. Formou duas importantes companhias
de dança na França, Ballet de l’Etoile e Ballet
Theatre de Paris, uma na Bélgica, Ballet du XXe Siècle,
e duas na Suíca, Béjart Ballet Lausanne e Compagnie M
Béjart. Fundou escolas em Bruxelas, Dacar e Lausanne. Usou a
técnica clássica como base de seu trabalho, mas nunca
se fechou a nenhum movimento de fato contributivo para a orquéstica,
sejam os de vanguarda, sejam os tradicionais.
“Tradição é pesquisa. Ou seja, a transmissão,
através dos tempos, de certos fatos e atitudes. O que não
deve ser insípido: transmitir a mensagem dos criadores do passado
é fazer como eles, e o que fizeram eles? Procuraram, arriscaram,
rebelaram-se, eram frequentemente mal vistos ou malditos. Jamais copiaram.
Beethoven não copiou Mozart, Schubert não copiou Beethoven,
Wagner não copiou Schubert. Cada um deles estudou e amou seus
predecessores, e procurou, através dos exemplos, ir mais longe:
não mais longe que os outros, mas mais longe que eles mesmos.”
Em 1959, foi convidado por Mauricio Huisman, diretor do Theatre Royal
de la Monnaie, de Bruxelas, para o desafio de montar uma nova versão
coreográfica do já célebre balé Sagração
da Primavera (Nijinsky-Stravinsky), com elenco formado por sua companhia
e a do Teatro, que acabou resultando em uma nova e definitiva companhia
sob a sua direção: o Ballet du XXe Siècle, que
chegou a ter um elenco permanente de 90 bailarinos profissionais, e,
entre os seus maiores momentos, levou à cena Missa para um tempo
presente, Nona Sinfonia (Beethoven), Pássaro de Fogo (Stravinsky),
Bolero (Ravel) entre muitos mais.
Béjart trabalhava a dança como a configuração
e a realização cênica da música, o que o
levava a um permanente contato com os compositores de vanguarda de sua
época, como Pierre Henry, Pierre Boulez, Stokhausen, e o nosso
grande Villa-Lobos (L’Etranger), além do já citado
Stravinsky e muitos outros. Coreografou também obras de Mozart,
Bach, Mahler, Vivaldi, Chopin, Beethoven, Ravel e músicas tradicionais
de vários países e culturas.
Amava os bailarinos e criava para a personalidade artística de
cada um dos principais talentos com quem trabalhava, elevando-os quase
sempre à condição de estrelas internacionais da
dança. Notáveis foram os casos de Jorge Donn, da brasileira
Laura Proença, e dos bailarinos Suzanne Farrell, Tânia
Bari, Tessa Beaumont, Michele Seigneuret, Rita Poelvoorde, Shonach Mirk,
Gil Romain, Patrick Belda, Germinal Casado, Jean Babillé, para
ficarmos só nos mais conhecidos. Coreografava também para
grandes estrelas da dança, já consagradas, como Nureyev,
Márcia Haydée, Maia Plissetskaya, Silvie Guillem, Marie
Claude Pietragala e Barishnikov.
“Dança não se aprende nos livros: é um
ensino calcado no ensino. São corpos que confiam segredos a outros
corpos. Não segredos difusos, mas uma ciência, a dos músculos.”
Béjart deixou-nos um portfolio majestoso, em
qualidade e em quantidade, de cerca de 200 importantes realizações
coreográficas abordando temáticas as mais diversas, sempre
muito nobres e revolucionárias, fossem elas históricas
ou contemporâneas, muitas das quais tornaram-se referências
mundiais na arte da dança. Trabalhou até o seu último
sorriso, em plena produção para estréia do grande
balé A Volta ao Mundo em 80 Minutos, criado como uma síntese
cultural da dança da arte e em retrospecto à sua própria
obra, encenado pela Béjart Ballet Lausanne. Com a sua morte,
Gil Romain, então diretor adjunto, assume a direção
da Companhia que estréia agora, em dezembro, esta última
e derradeira criação do grande mestre da Dança.
Oxalá venham ao Brasil.
Tive o privilégio de ver, ao vivo, vários espetáculos
de Béjart, que muito me emocionaram, de ficar arrepiada. Desde
a década de 70 acompanho sua obra, quando tinha de ir ao Rio
para ver seus espetáculos e, depois, aqui em Belo Horizonte,
onde vi, em 1997, a performance de Gil Romain em Adagietto, de Mahler
(já a conhecia com Jorge Donn, e Gil Romain é tão
deslumbrante como Donn). Sagração e Bolero, dançados
pelo Ballet de Tóquio, no Palácio das Artes, em 1998,
me deixaram marcas indeléveis. O público levantou-se em
aplausos emocionados, verdadeiros, de coração aberto,
e não como agora, quando se aplaude de pé qualquer bobagem.
Em 2003, vi Madre Tereza e as Crianças do Mundo, com a brasileira
Márcia Haydée, uma presença forte e expressiva
no alto de seus 66 anos – maravilhosa! – contracenando com
o jovem carioca William Pedro, sobre o qual disse Béjart:
“A perfomance de William Pedro é um verdadeiro triunfo.
Esse jovem brasileiro negro, de olhos brilhantes, com um sorriso desarmante,
é tão irresistível no Papageno de Mozart quanto
em Cherubino, em dueto com a encantadora Luciana Croatto.”
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